O provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, já tinha alertado o anterior Governo, e agora faz o mesmo ao actual Executivo.
De acordo com a leitura legal feita pela Provedoria, "a operação de reprivatização do BPN deveria ter contemplado uma reserva de capital a favor dos pequenos subscritores", e não só dos trabalhadores, pelo que o processo de venda deve ser reformulado.
A frase constava da
recomendação enviada às Finanças em Agosto do ano passado, e é retomada
no ofício enviado na passada quarta-feira ao ministério agora tutelado
por Vítor Gaspar.
Segundo o documento, a que o PÚBLICO teve
acesso, a primeira recomendação feita pela Provedoria acabou por ser
arquivada, uma vez que o concurso público de venda da instituição
financeira lançado em 2010 ficou deserto.
No entanto, a publicação em
Diário da República, a 19 de Agosto, do diploma que estabelece a nova
estratégia de venda do actual Governo, através de venda directa, ao BIC,
fez "renascer toda a utilidade e pertinência" da recomendação anterior,
conforme se lê no documento da Provedoria, assinado por Alfredo José de
Sousa.
"Nesta nova operação, apenas a modalidade de
reprivatização foi alterada, deixando de se processar ao abrigo de um
concurso público, para se reger pelas condições de venda directa",
sublinha-se.
"Enquanto provedor de Justiça, tenho presentes as
circunstâncias particulares da conjuntura económica e financeira que
condicionaram os termos desta nova operação", escreve Alfredo José de
Sousa, acrescentando que "é também esse mesmo estatuto que me impele a
velar pela defesa dos direitos dos cidadãos que lhes foram legalmente
atribuídos."
A Provedoria aguarda agora uma resposta do ministro
das Finanças, "com a celeridade que se mostrar possível", até pelo facto
de "a operação de venda directa se encontrar em curso". O PÚBLICO
contactou o Ministério das Finanças sobre o documento enviado pela
provedoria, mas não foi possível obter uma reacção.
O processo
de reprivatização do BPN está previsto no memorando de entendimento
assinado pelo Governo português com a troika, tendo sido exigida uma
solução para o problema até ao final do passado mês de Julho, prazo
cumprido à última hora pelo actual Executivo.
Mudanças na lei
A
análise da Provedoria, que teve por base uma queixa da ATM, uma
associação de pequenos investidores presidida por Octávio Viana,
suporta-se em grande parte no primeiro ponto do artigo 10 da Lei Quadro
das Privatizações, de 1990. Neste artigo ficou estipulado que, nos
processos de venda, uma parte do capital teria de ficar reservada "à
aquisição ou subscrição por pequenos subscritores e por trabalhadores da
empresa objecto de reprivatização".
Acontece que o actual
Governo avançou com uma proposta, votada favoravelmente no Parlamento no
início de Agosto, onde se altera esta lei em vários pontos. Uma das
iniciativas foi precisamente a revogação do artigo 10. No entanto, a
nova lei quadro das privatizações de iniciativa governamental está em
fase de promulgação, e não foi publicada em Diário da República, pelo
que ainda não tem força legal.
Além disso, a Provedoria
considerou ainda no documento enviado no ano passado que, além da
questão do artigo 10 (formalmente ainda em vigor), "a preferência dada
aos pequenos subscritores", à semelhança do que acontece com os
trabalhadores, "tem cobertura constitucional, já que constitui
incumbência do Estado contrariar formas de organização monopolistas e
reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do
interesse geral".
É precisamente para este ponto que chama a
atenção o presidente da ATM. Contactado pelo PÚBLICO sobre o impacto das
alterações à Lei Quadro das Privatizações e a queixa apresentada na
Provedoria, Octávio Viana destacou que, apesar dessas mudanças, "há que
atender à própria Constituição" como "bem reconhece o senhor provedor de
Justiça" em alguns dos pontos da recomendação efectuada em 2010.
"A
ATM evita sempre o recurso aos tribunais e por isso evitará sempre a
impugnação da operação", afirma Octávio Viana. Acrescentando que
"privilegiará sempre outras formas de entendimento, nomeadamente o
recurso ao senhor provedor de Justiça e eventualmente tratando o assunto
com o Governo", este responsável não deixa de afirmar que, "em última
análise", a impugnação da reprivatização em curso "poderá ser uma medida
a tomar e que já está inclusivamente estudada". "Consideramos que a
alteração do processo de forma a contemplar os pequenos subscritores,
uma vez que os trabalhadores já estão contemplados, não resultará em
dano para o oferente e nem para os contribuintes", defende Octávio
Viana.
Por Luís Villalobos in Público