Sobre as medidas relacionadas com a crise CoVID-19
Por iniciativa própria da ATM
O enorme impacto nos mercados
financeiros provado pela atual crise de saúde, com a pandemia do Coronavírus
SARS-CoV-2, causadora da doença CoViD-19, é motivo de grande preocupação para a
ATM.
Por isso, a ATM insta os emitentes e
os reguladores nacionais, a adotarem as seguintes medidas:
1. Adiamento de prazos
1.1. A ATM recomenda que os reguladores e governo analise todos os prazos de implementação dos regulamentos e diretivas europeias e avalie por quanto tempo a sua implementação deve ser adiada ou sujeitos a tolerância de supervisão.
Este cuidado é particularmente
importante no caso em que novos regulamentos ou diretivas europeias exijam que
os participantes afetem recursos significativos e menos disponíveis neste
momento de crise necessários a uma implementação cuidada e bem-sucedida.
1.2. Os reguladores e o governo devem
adiar os prazos para as consultas públicas eventualmente em curso e adiar as
próximas consultas para um momento em que a atual crise esteja controlada. Só
assim é possível permitir aos participantes no mercado e associações de
investidores, fornecerem contribuições qualitativas aos reguladores e governo,
uma vez que nas circunstâncias atuais, poucos serão capazes de fazê-lo.
2. Divulgação de informações
Os analistas, acionistas, investidores
e demais stakeholders necessitam de
informações de qualidade (completas, verídicas, atuais, claras, objetivas e
licitas) para poderem atualizar as suas recomendações, análises e
classificações e fazerem um juízo fundamentado sobre a decisão de investir e
fornecer.
Para além disso, a falta de informação
de qualidade é suscetível de distorcer a correta formação dos preços de mercado
e criar assimetrias inaceitáveis.
Assim, a ATM entende que:
2.1. Atento ao Regulamento o Abuso de
Mercado (“MAR”), os emitentes deverão divulgar informações sobre o impacto do
CoViD-19 quando seja suscetível de provocar distorções materialmente relevantes
nas demonstrações financeiras, tanto por intermédio de “profit warnings” como nos seus relatórios anuais relativamente ao
ano de 2019.
Os “profit warnings” devem conter informação sobre os planos de contingência,
para um agravar e prolongar da crise, assim como os planos de restabelecimento
das operações (i.e. estratégias de
teletrabalho e imunotrabalho) durante e após crise, sempre que tais informações
não coloquem em causa o segredo do negócio ou provoquem uma desvantagem face à
concorrência. Empresas cujos choques tenham efeitos de longo prazo ou
permanente na sua atividade, deverão informar sobre a continuidade das
operações poder estar comprometida.
2.2. Ainda que se reconheça que os
emitentes poderão estar num período de difícil, alocando os seus recursos para
garantir os interesses dos acionistas e demais stakeholders, nomeadamente garantido os direitos dos seus
trabalhadores e protegendo as suas operações, e que a auditoria às contas seja
atualmente mais difícil, é necessário que não atrasem significativamente a
publicação dos seus relatórios & contas.
Não obstante, a título excecional e
sempre devidamente justificado, os reguladores devem ter a faculdade de
permitir que os emitentes adiem o prazo de publicação dos relatórios anuais
pelo período de três meses.
3. Assembleias gerais
As assembleias gerais das sociedades
são o forum de participação e
discussão democrática da vida das sociedades e palco para as deliberações
sociais necessárias ao seu normal funcionamento. Engessar a possibilidade de
tais discussões, participações e deliberações ocorrerem, pode comprometer o
regular funcionamento da sociedade e os direitos dos acionistas, inclusivamente
a própria continuidade da atividade.
Por esse motivo, o governo e os
reguladores deverão reagir o mais rapidamente possível aos efeitos do CoVID-16
nas assembleias gerais de acionistas.
Nessa medida deverão ser adotadas
simplificações substanciais em relação à lei atual (Código de Valores
Mobiliários e Código das Sociedades Comerciais), a fim de possibilitar as
assembleias gerais por outros meios que não a participação presencial em
conformidade com as medida adotadas pelo governo para reduzir o risco de
infeção pelo Coronavírus SARS-CoV-2, mesmo que os estatutos da sociedade não o
prevejam.
Sugere-se que as sociedades emitentes
possam implementar medidas de presença e votação à distância e mudar o local da
reunião para qualquer lugar, incluindo para outros Estados Membros, sempre que
a mesma seja virtual (através da Internet) e desde que a Sociedade não
comprometa os direitos dos acionistas, nomeadamente, mas não exclusivamente, os
previstos na Diretiva (UE) 2017/828 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17
de maio de 2017 (“Diretiva dos Acionistas II”).
4. Manter os mercados abertos
O mercado de capitais está a funcionar
corretamente e de forma transparente, apesar de sujeito a uma maior (e normal)
volatilidade em resultado da crise e incerteza originada pelo CoViD-19.
Não se verifica nenhuma necessidade de
encerrar o mercado de capitais, ainda que temporariamente. Pelo contrário,
enquanto infraestrutura cítica para o sistema financeiro e economia real, o
mercado de capitais deve ser mantido aberto e garantida a sua integridade e
correto funcionamento.
O mercado de capitais poder
inclusivamente responder às necessidades do sistema financeira e da economia
real de permitir uma correta e eficiente gestão dos investimentos, aceder a
capitais necessários a responder à crise economia que se prevê despontar em
breve e cobrir determinados risco por intermédio de operações de cobertura.
O encerramento do mercado de capitais
minaria a confiança dos investidores, emissores e demais participantes e
colocaria em causa a estabilidade do próprio mercado, especialmente no atual
contexto de crise.
Em circunstâncias excecionais, deverão
ser adotadas as medidas previstas no artigo 3.º do Regulamento Delegado (EU) da
Comissão de 13 de Junho de 2016 (da MiFID II), relativamente à desobrigação das
empresas de investimento proporcionarem liquidez numa base periódica.
5. Short selling
A ATM entende que restringir o short selling é contribuir para a
disfunção do mercado.
Banir, ainda que momentaneamente, as
operações legítimas de short selling
é amputar uma perna do mercado e contribuir para que este seja menos eficiente
e menos justo ao criar, como defendem Duffie, Garleany & Pedersen (2002)[1], fricções que tornam impossível aos short sellers conduzir o preço das ações
de volta aos fundamentais, uma vez que este tipo de restrições, como avançam
Miller (1977)[2] e Harrison & Kreps (1978)[3], retira os pessimistas do mercado e os otimistas
deixam de poder levar em conta o efeito do pessimismo na formação de preços.
Esta suspensão pode fazer com que o
mercado recupere momentaneamente, com os short
sellers a terem de recomprar as suas posições e a forçarem a subida, mas o
seu efeito pode ser muito perverso (aumento de volatilidade e mais
instabilidade) e poderá precipitar as quedas no futuro com os investidores a
venderem as suas ações, uma vez que deixa de haver forma de travar uma
distorção do mercado como seria possível através da criação de uma posição
sintética que envolvesse o short selling
de ações.
Sublinhe-se que vários Estados Membros
tomaram a decisão de restringir o short
selling, numa abordagem descoordenada que compromete o mercado. Esta
proibição avulsa e sem a coordenação do conselho de reguladores, transpira a
ideia de que há algo de fundamentalmente errado na decisão de restringir o short selling.
A ATM desencoraja fortemente as
restrições ao short selling, mas a
serem adotadas deverão ser coordenadas entre todos os Estados Membros .
6. Funcionamento dos emitentes, intermediários financeiros, auditores e
reguladores
Para manter o regular funcionamento do
mercado de valores mobiliários, os emitentes, intermediários financeiros,
auditores, reguladores ou empresas relacionadas, devem implementar planos de
contingência e continuidade assentes nas seguintes soluções: trabalho por
turnos rotativos; organização de equipas “espelho”; locais divididos e que
permita o distanciamento social, dispensador de água individuais
(disponibilização de garrafas de água).
Apesar dos riscos operacionais,
latência, cibernético, confidencialidade, rastreabilidade entre outros, o teletrabalho
ou trabalho desde casa (“WFH”), os os emitentes, intermediários financeiros,
auditores, reguladores ou empresas relacionadas, devem conceder acesso remoto
aos computadores e servidores para sistemas de front office a trabalhadores e outras partes relacionadas em
condições e controles específicos.
Deverão ser acautelados os riscos para
as infraestruturas da Internet, que nestes momentos serão fortemente desafiadas
devido ao uso, domestico, mais extenso e intensivo. Aconselha-se que a este
respeito sejam adotadas políticas semelhantes à da Financial Conduct Authority.
As supra
referidas identidades, criticas para o país, em coordenação com a Direção
Geral Saúde e o governo, deverão adquirir com a maior brevidade possível,
testes que permitam detetar se um individuo desenvolveu anticorpos para o
Coronavírus SARS-CoV-2, por forma a poderem ser emitidos “certificados de
imunidade”. Indivíduos com testes positivos (com imunidade) pode permitir que
regressem ao trabalho e a diminuição a restrições em empresas e/ou áreas com
“imunidade de grupo”.
[1] Duffie, Darrell & Gârleanu, Nicolae & Pedersen, Lasse.
(2002). Securities Lending, Shorting and Pricing. Journal of Financial
Economics. 66. 307-339. 10.1016/S0304-405X(02)00226-X.
[2] Miller, E.M. “Risk, uncertainty,
and divergence of opinion.” Journal of
Finance, 32 (1977), 1151-1168.
[3] Harrison, Michael & Kreps, David, 1978, Speculative investor
behavior in a stock market with heterogeneous expectations, Quarterly Journal
of Economics, 323-336