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End Game: Já poucas peças podem ser movidas

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O artigo “Canto do Cisne”[1], publicado em 22 de Março de 2011, avançava com a possibilidade de novos máximos de 52 semanas nos índices americanos durante o segundo trimestre do ano – o S&P500 registou 1370.58 pontos em 2 de Maio de 2011 (e 1356.48 pontos em 7 de Julho de 2011), correspondendo ao máximo de 52 semanas (tanto nessa data como hoje).

Já para o segundo semestre do ano, o cenário era bastante diferente e, de acordo com o mesmo artigo, era de se esperar uma queda para a segunda parte do ano, depois de renovados os máximos de 52 semanas entre Março e Junho, prevendo mesmo a hipótese do ano fechar negativo – o S&P500 registou uma queda de 19.63% desde o máximo (1370.58 pontos em 2 de Maio de 2011) até ao mínimo (1101.54 pontos em 9 de Agosto de 2011).

O choque súbito a que a economia do Japão tinha sido sujeita devido ao terramoto e Tsunami de 2011, foi também tratado nesse artigo, que previa grandes implicações nas economias mundiais, em particular na Europa e EUA – no início de Junho, Ben Bernanke reconheceu que a interrupções na cadeia de fornecimento devido ao terramoto e ao Tsunami estavam a prejudicar a actividade económica dos EUA nesse trimestre[2].

Japan GDP Growth Rate

O mesmo artigo falava da relutância da China em continuar a comprar dívida do governo dos EUA (“mais não seja porque querem proteger-se da eventual desvalorização do seu stock”) o que por sua vez, aliado ao risco de inflação nas matérias primas, deveria inviabilizar, pelo menos no imediato, uma nova Quantitative Easing (QE), que seria já a terceira no caso de ser implementada[3].  A 10 de Agosto de 2011, a National Development and Reform Comission da China criticou veladamente uma eventual QE3, ao afirmar que uma nova ronda de QE poderia ser o gatilho para uma subida nos preços das matérias primas que  se traduziria num aumento de preços na China, por via da inflação importada.  Já antes, em meados de Julho, a China tinha criticado as medidas e o endividamento dos EUA, reclamando por políticas responsáveis e medidas que garantam os interesses dos investidores[4].

O primeiro ministro russo, Vladimir Puttin, veio também aumentar a pressão sobre os EUA no que diz respeito às suas políticas económicas, acusando os EUA de ser um “parasita” da economia global que vive para além das suas posses, deslocando parte do peso dos problemas para cima da economia mundial graças a posição do monopólio do dólar[5]. Vladimir Puttin, usando apenas um tom mais provocatório com a palavra "parasita", descreve simplesmente a politica económica conhecida como "beggar-thy-neighbor", que consiste em promover a economia de um país à custa de outra(s) economia(s) - exemplo da desvalorização da moeda com efeito do aumento das exportações e diminuição das importações.


Por fim, esse mesmo artigo, avançava como possíveis oportunidades o investimento em matérias primas (petróleo, gás natural e carvão), agrícolas (trigo, milho e arroz) e, em especial, o ouro, que poderia beneficiar “quer da descida do dólar, quer (...) do seu uso como valor de refúgio e moeda de troca comercial e (...) do short squeeze das posições dos bancos centrais vendidas a descoberto pelas casas de investimento e bancos de ouro”. – O Ouro atingiu hoje o seu máximo a negociar nos USD 1909,30/oz.

Gold London Fix 2000-Present Char

Como será este segundo semestre e o primeiro trimestre de 2012?

Ainda é cedo para dizer “Game Over”, principalmente porque “the show must go on”, mas podemos dizer que é o “Endgame”.

No xadrez, o “End Game” é quando já resta muito poucas peças no tabuleiro e por isso o jogador com maior vantagem opta por trocar peças, com excepção dos peões (que pode trocar por rainhas) que lhe conferem vantagem. Já o o jogador em desvantagem deve optar pelo contrário.

Ora, a situação actual é muito semelhante a um “End Game” no xadrez, que se materializa, em parte, numa guerra cambial entre o dólar e o Euro e na aposta que a Zona Euro vai colapsar antes dos EUA. Os EUA estão a jogar como se tivessem a vantagem, trocando as peças importantes e mantendo os peões; mas será que a vantagem está mesmo do lado dos EUA?

Para já, em termos de moeda, a vantagem está no Euro, que inclusivamente poderá vir a ser a moeda refúgio contra o dólar americano e tal ganhará ainda mais força, caso sejam criadas as tão aclamadas Eurobonds, permitindo a países emergentes, como a China e a Rússia, substituir parte do seu stock de obrigações americanas em dólares por estas obrigações europeias – diversificando desta forma o seu risco. Este poderia ser um primeiro passo, ainda que para já pouco provável, de substituir o padrão dólar no petróleo pelo padrão euro.

Parece já claro que países periféricos, como Portugal, vão entrar em default, seja este organizado ou desorganizado ou apelidado de reestruturação, como engenhosamente chamam ao processo inevitável de default da Grécia.

O facto é que o default da Grécia e consequente de Portugal, resultará numa crise global sistémica, que vai exigir a criação das Eurobonds já em 2012, antes que o problema se arraste para Espanha e França.

No decorrer do processo é de esperar que os bancos venham a ser afectados pelas perdas nos seus activos provocadas pelos haircuts aplicados às dívidas destes países periféricos em consequência da reestruturação, o que, a par com o abrandamento económico (provocado por medidas fortes de austeridade e menor capacidade de consumo - perda de poder de compra e aumento do desemprego) e o incumprimento das famílias e empresas, deverá levar à insolvência (apesar da ideia que os bancos já não são actualmente solventes) de vários bancos, senão do próprio sistema financeiro. Alguns bancos poderão beneficiar de alguma exposição a outras economias menos afectadas e outros agravar o problema pela razão oposta e a fundos de pensões completamente descompensados.

Isto deixa desde logo prever a continuação da queda das obrigações e a “falência” de alguns bancos – entenda-se por falência a eventual intervenção do Estado de forma a evitá-la, mas que certamente comportará grandes perdas para os accionistas.

Quem vai levar o checkmate?

A moeda europeia tem-se mostrado forte e a resistir a todos os problemas dos países periféricos, com alguns BRICs, como a China, a estreitarem as suas relações comerciais com a Europa eventualmente na procura de uma moeda refúgio para além do aproveitamento das relações da Europa com os países de África. É certo que não será esta força relativa do Euro que impedirá o colapso (ainda que controlado) da Europa, mas é certo que por força da União que à sua volta reúne, permitirá à Zona Euro responder melhor e mais rapidamente ao que aí se aproxima.

Já os EUA têm um problema muito maior, que é a sua dívida monstruosa e a incapacidade que demonstrou de impulsionar a economia apesar de ter levado a cabo programas de estímulo económico extremos (a QE1 e QE2). O facto é que o Philadelphia Federal index, que mede o crescimento dos negócios, e o Empire State Manufacturing Survey, que mede a actividade manufactureira, dão indicações de contracção económica, tendo o primeiro registado este mês o valor mais baixo dos últimos dois anos. O mercado imobiliário continua também a sofrer, com a venda de casas usadas também a recuar, assim como as licenças de construção que continuam a sua tendência descendente.

Ou seja, o QE consegui apenas aumentar a pressão inflacionista, em especial nas matérias primas, e criar ainda uma maior desigualdade social. Sublinhe-se que 1% da população dos EUA representa aproximadamente ¼ do PIB, um valor 15x maior do que há 30 anos atrás.

Como referido no artigo “Canto do Cisne: A implosão da dívida pública americana”, os EUA precisam de uma QE3 para segurarem as suas Treasury Bonds, mas como também nesse artigo foi referido e aqui sublinhado, esse cenário, apesar de não ser impossível (pois depende apenas de decisões politico-económicas e menos de decisões politico-sociais ou mesmo racionais), é cada vez menos provável.

Ora, sem QE3 e com o mercado super nervoso devido às reestruturações e perdas nos países periféricos da Zona Euro, com as Credit Default Swaps a dispararem até em países com a França, ao que se somam os recentes e crescentes receios com a dívida dos EUA (que já é superior a 100% do PIB)[6], levando mesmo a  Standard&Poor´s a rever, pela 1ª vez na história, o rating dos EUA em baixa - de “AAA” para “AA+” – estão reunidas as condições para que os preços das US Treasury Bonds caiam fortemente – em especial se forem criadas as Eurobonds[7]  -, não obstante Ben Bernanke ter já afirmado que não iria subir as taxas de juro de referência e a possibilidade dos EUA poderem sempre e em última análise imprimir dinheiro.

Debt-to-GDP Ratio table

Debt-to-GDP Ratio chart

Isto leva a concluir que embora os EUA tenham uma política mais virada para os investidores, nomeadamente a darem preferência no reembolso da dívida pública a estes do que o pagamento das prestações sociais (como chegou a ser avançado recentemente  pelo próprio Presidente dos EUA a quando o debate sobre o ceiling debt) e a poderem, “fácil” e rapidamente criar dinheiro do nada, duas faculdades mais difíceis aos países do Euro, a verdade é que a zona Euro, que terá de impedir a desagregação da Moeda Única Europeia (que se tem mostrado mais forte em relação ao dólar), terá de tomar medidas mais eficazes, nomeadamente criando as Eurobonds dentro de critérios muito rígidos (até para evitar o moral hazard) que poderá atrair investidores.

Por fim, matem-se a ideia que o melhor é sair do mercado accionista como um todo, eventualmente com excepção (numa óptica de longo prazo) dos mercados emergentes e de algumas acções de empresas bem geridas, sem problemas de dívida, com exposições a economias menos afectadas e com negócio de bens de primeira necessidade (i.e. Jerónimo Martins – que tem lojas discount na Polónia – não obstante poder ainda desvalorizar devido à própria pressão do mercado como um todo) e o investimento nas matérias primas, em particular no Ouro, devido às razões mencionadas no artigo “Canto do Cisne”.

Por: Octávio Viana, presidente da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais e autor do livro “Estudos no Mercado de Capitais”, da Editora ATM.


[2]supply chain disruptions associated with the earthquake and tsunami in Japan are hampering economic activity this quarter.http://www.youtube.com/watch?v=PCmj9H3EI6o - consultado em 23-08-2011

[6] O total da dívida emitida pelos EUA é de USD 14,639,239,567,874.38 de acordo treasurtdirect.gov – consultado a 22-08-2011

[7] Para além do eventual interesse da China já referido neste artigo, os fundos soberanos, fundos de investimento e fundos de pensões, que normalmente, até por força estatuária, só investem em obrigações de tesouro com ratings elevados, podem deslocar investimento (como alternativa) das US Treasury Bonds para as Eurobonds, o que fará com que os EUA aumentem as taxas de juro para tentarem inverter essa tendência.

DISCLAIMER

1. Termo de não responsabilidade

Este artigo é dirigido aos associados da ATM | Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais e todas as outras pessoas com interesse no mesmo, com o objectivo de promover o estudo e a formação financeira. Qualquer uso do presente artigo é feito sem nenhum tipo de garantia.

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Este estudo não encerra nenhuma recomendação de compra ou venda, mas apenas uma interpretação e opinião sobre o passado, presente e futuro das empresas/mercados observados e é feito sem nenhum tipo de garantias. Esta opinião não deve ser usada por ninguém. O(s) autor(es) e a ATM não aceitam a responsabilidade por qualquer perda ou dano que possa ser originado pelo uso desta opinião.

2. Conflito de Interesses

Para além do aviso sobre conflito de interesses supra apresentado, esclarece-se, nos termos do artigo 12.º-C do Cód.V.M., sobre “recomendações de investimento e divulgação de conflito de interesses”, o seguinte:

A pessoa singular, supra identificada como autora da análise, assim como seus familiares, detêm directa ou indirectamente posições nos mercado bolsistas.

Detém no médio e longo prazo as seguintes acções no mercado americano: AFFY. Detém posições em ouro.

Tal situação pode constituir conflito de interesses real, aparente ou possível.

3. Grupo de trabalho

Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º-D do Cód.V.M., sobre a “divulgação de recomendações de investimento elaboradas por terceiros”, informa-se o seguinte:

3.1. Pessoa Colectiva Autora do Estudo

ATM | Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais

3.2. Pessoa Singular Autora da Análise

Octávio Viana, Presidente da Direcção da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais

3.3. Relator

Octávio Viana, Presidente da Direcção da Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais

4. Conteúdo da recomendação

Nos termos do n.º 1 do artigo 12.º- E do Cód.V.M., sobre o “divulgação através de remissão” e porque a inclusão de toda a informação usada no presente Estudo mostra-se notoriamente desproporcional em relação à sua extensão, atendendo que é bastante extensa e facilmente acessível a qualquer pessoa através de vários sítios da Internet, remetemos todos os interessados nessa informação para uma pesquisa no sitio da Internet da Fed, nas ligações de Internet fornecidas ou a pedido que nos pode ser feito através do correio electrónico ou por carta abaixo identificados.

 

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